segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Resumo da Ópera (4/4)

Eu tinha preparado tudo nos mínimos detalhes para que aquela estréia fosse simplesmente bombástica. Carola começava a desconfiar que a coisa pudesse desandar e avaliava a expressão de cada companheira da ala. Eu pedia a Deus que ninguém fizesse cara de decepção ou reclamasse do tempo. Para alguém como ela – que achava que todas as coisas tinham sempre que caminhar a seu favor – aquele seria o momento ideal para o início do seu show particular.


Foi então que, afastando os estandartes na maior afetação e vestido a caráter, me aparece Zé Rosquinha, numa tentativa inútil de acalmar o grupo. Em sua metamorfose anual, passava de vereador atuante a integrante vitalício da "Ala das Bonecas", sem constrangimentos. Veterano militante da Zona da Mata desde priscas eras, enchia-se de orgulho ao ser reconhecido como baluarte de uma casta em franca expansão por aquelas bandas. Era feliz assim – e assim era respeitado por todos.


Os fogos deram início ao desfile. A "Barrabás" estava pronta. Linda, saiu poderosa com o enredo na ponta da língua e o samba na ponta dos pés. Buscava, dessa maneira, a força para ressuscitar o sublime. Na comissão de frente, surgia a bateria, seguida de perto pela porta-bandeira, em suas formidáveis evoluções. A chuva, desmancha-prazer oportunista, chegava de mansinho. Foi apertando e insistindo no desejo de participar da folia. Por sorte, sua performance ainda não era suficiente para afogar a euforia dos foliões.


Carola se misturava alegremente ao grupo das "Borboletas". Distraída, não percebeu a rápida transformação do tempo. Seguiu plena, sorrindo e dançando com toda a propriedade. As asas de penas cor-de-rosa pingavam, a maquiagem escorria, o cabelo colava no rosto e a fantasia foi-se desfazendo rapidamente, diante dos nossos olhos.


Na contramão de toda a minha expectativa, não percebi nela nenhum sinal de decepção ou vergonha. Indiferente, fazia a pose ideal para as fotos que revelariam, mais tarde, a sua genuína felicidade. Chegou até o fim da linha, orgulhosa de si mesma, a despeito da fantasia em frangalhos.


A "Unidos do Barrabás" não ganhou naquele ano, mas serviu como moldura ideal para a realização de um sonho. Teve, isso sim, o poder de criar uma profunda comunicação entre seus integrantes. Foi pelos seus olhos, naquela alegria sem maquiagem e em trajes menores, que Carola deixou o seu agradecimento à escola de coração.


Saímos do Rio Novo, de volta a Belo Horizonte, cansados de toda aquela movimentação. A cidade voltaria rapidamente à sua habitual tranqüilidade. Nos barracões, fantasias seriam guardadas nos velhos baús, os adereços encaixotados com cuidado, enquanto oleados cobririam os carros alegóricos até o próximo ano.


No caminho de casa, Carola permanecia em ritmo de festa, cantando o samba-enredo sem tropeços. De vez em quando, arriscava uma ou outra espiadela pelo retrovisor. Queria ter a certeza de que o espelho continuava a seu favor. Afinal, e por segurança, sua presença já havia sido confirmada no próximo carnaval. A fantasia estava encomendada e o seu lugar, garantido em um dos blocos.


Para sempre, “Barrabás”.



"As coisas simples são as mais extraordinárias e só os sábios conseguem vê-las".