segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Resumo da Ópera (4/4)

Eu tinha preparado tudo nos mínimos detalhes para que aquela estréia fosse simplesmente bombástica. Carola começava a desconfiar que a coisa pudesse desandar e avaliava a expressão de cada companheira da ala. Eu pedia a Deus que ninguém fizesse cara de decepção ou reclamasse do tempo. Para alguém como ela – que achava que todas as coisas tinham sempre que caminhar a seu favor – aquele seria o momento ideal para o início do seu show particular.


Foi então que, afastando os estandartes na maior afetação e vestido a caráter, me aparece Zé Rosquinha, numa tentativa inútil de acalmar o grupo. Em sua metamorfose anual, passava de vereador atuante a integrante vitalício da "Ala das Bonecas", sem constrangimentos. Veterano militante da Zona da Mata desde priscas eras, enchia-se de orgulho ao ser reconhecido como baluarte de uma casta em franca expansão por aquelas bandas. Era feliz assim – e assim era respeitado por todos.


Os fogos deram início ao desfile. A "Barrabás" estava pronta. Linda, saiu poderosa com o enredo na ponta da língua e o samba na ponta dos pés. Buscava, dessa maneira, a força para ressuscitar o sublime. Na comissão de frente, surgia a bateria, seguida de perto pela porta-bandeira, em suas formidáveis evoluções. A chuva, desmancha-prazer oportunista, chegava de mansinho. Foi apertando e insistindo no desejo de participar da folia. Por sorte, sua performance ainda não era suficiente para afogar a euforia dos foliões.


Carola se misturava alegremente ao grupo das "Borboletas". Distraída, não percebeu a rápida transformação do tempo. Seguiu plena, sorrindo e dançando com toda a propriedade. As asas de penas cor-de-rosa pingavam, a maquiagem escorria, o cabelo colava no rosto e a fantasia foi-se desfazendo rapidamente, diante dos nossos olhos.


Na contramão de toda a minha expectativa, não percebi nela nenhum sinal de decepção ou vergonha. Indiferente, fazia a pose ideal para as fotos que revelariam, mais tarde, a sua genuína felicidade. Chegou até o fim da linha, orgulhosa de si mesma, a despeito da fantasia em frangalhos.


A "Unidos do Barrabás" não ganhou naquele ano, mas serviu como moldura ideal para a realização de um sonho. Teve, isso sim, o poder de criar uma profunda comunicação entre seus integrantes. Foi pelos seus olhos, naquela alegria sem maquiagem e em trajes menores, que Carola deixou o seu agradecimento à escola de coração.


Saímos do Rio Novo, de volta a Belo Horizonte, cansados de toda aquela movimentação. A cidade voltaria rapidamente à sua habitual tranqüilidade. Nos barracões, fantasias seriam guardadas nos velhos baús, os adereços encaixotados com cuidado, enquanto oleados cobririam os carros alegóricos até o próximo ano.


No caminho de casa, Carola permanecia em ritmo de festa, cantando o samba-enredo sem tropeços. De vez em quando, arriscava uma ou outra espiadela pelo retrovisor. Queria ter a certeza de que o espelho continuava a seu favor. Afinal, e por segurança, sua presença já havia sido confirmada no próximo carnaval. A fantasia estava encomendada e o seu lugar, garantido em um dos blocos.


Para sempre, “Barrabás”.



"As coisas simples são as mais extraordinárias e só os sábios conseguem vê-las".

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Desconfiança (3/4)

Chegara o grande dia. Rio Novo, àquela altura, já estava empapuçada. Vinha sempre muita gente do Rio, São Paulo, Juiz de Fora e adjacências. O “Colar de Pérolas” e “O Nosso é Outro” – clubes tradicionais da cidade – tinham espalhado faixas anunciando seus sensacionais gritos vespertinos de carnaval. Um carro de som, caindo aos pedaços, dava infinitas voltas pela praça, tocando as músicas das duas escolas num barulho ensurdecedor.

A bebedeira era geral e não sem motivo: fazia um calor atípico. O sol incomodava muito e um estranho abafamento tomava a cidade. Pra refrescar um pouquinho, passamos a manhã entre banhos na cachoeira do Calixto e papos furados na casa dos amigos. Foi quando, distraída, resolvi consultar o relógio. Pulei e, de um salto, recolhi minha filha. Passava da hora de começar sua transformação.

Entre salsichas vienenses putrefatas, bolinhos de origem duvidosa e o cheiro nauseabundo dos inacreditáveis sanduíches do Panchito, adentrava a avenida a “Mocidade Dependente do Rio Novo”, com toda a pompa e circunstância. Em permanente destaque, a travestida figura de Alaím Delon, desfilando sua belezura emplumada. Lá de cima do carro e aos solavancos, girava os quadris em corcovas lascivas, lançando beijos pra multidão ensandecida. Uma orgia de brilhos e paetês acompanhava a escola, certa de mais uma grande vitória.

Na concentração da outra escola, os “Unidos do Barrabás”, eu e Carola já aguardávamos a ordem de entrada. De repente, senti um vento frio pelas costas e tive que consertar o cabelo dela, que insistia em sair do lugar. Só para provocar, São Pedro resolveu fazer das suas e desconsiderou o nosso acordo, feito há alguns dias. O céu foi ficando cada vez mais cinzento e os primeiros pingos começaram a dar o ar da graça. Não era possível tanto azar!

domingo, 11 de novembro de 2007

Rio Novo e Cia. (2/4)

O sorteio foi feito de antemão, em tempos de calmaria, de maneira a evitar confrontos entre as partes interessadas. Democraticamente e sem prejuízo da honestidade, ficou deliberado que a “Mocidade Dependente do Rio Novo” daria início aos trabalhos. Conhecida pelo perfil elitista dos poderosos da região, nela se destacavam as garotas mais bonitas, num excesso de adereços. Carros alegóricos espetaculares viriam acompanhados por uma orgia de fogos de artifício.

Na seqüência, entrariam os “Unidos do Barrabás”, utilizando-se de seu maior potencial: a alegria. Numa eficaz estratégia, seus dirigentes encheriam a escola – símbolo maior da resistência do povo local – de gente barulhenta. Depenariam os próprios bolsos e, se fosse necessário, pediriam um reforço extra à Prefeitura. Tinham uma única certeza: a Barrabás sairia vitoriosa.

Carola sempre cultivou simpatia pelas minorias e os injustiçados. Desde sempre, empresta sua voz ao coro do populacho. Dessa vez, sua fantasia ficou pronta com bastante antecedência. Eu tivera o cuidado de vesti-la num cabide, de forma que se amassasse o mínimo possível. Era todinha feita de papel celofane ‘changeant’ transparente, em nuances das cores do arco-íris.

Aproveitei o cabo da enceradeira pra colocar as asas de plumas rosadas. O melão na fruteira serviu de apoio para o arco com antenas, que iria enfeitar sua cabeça. Confesso que achei a idéia original, mas desconfiei da vulnerabilidade de uma fantasia toda feita de papel. Enfim. Ela olhava tudo aquilo encantada, imaginando-se a figura central da Ala das Borboletas Nacaradas. Nem Freud seria capaz de explicar tamanha confiança.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Sonho e Fantasia (1/4)

Ela já estava me azucrinando com aquela história de desfile. Era fatal! Mas também era culpa dos “Aflitos do Anchieta”. Faltava um mês para o carnaval e eles já estavam em plena campanha. Ensaiavam todas as noites na esquina lá de casa.

Aos primeiros batuques do surdo, Carola escancarava a janela do quarto, espichando o pescoço para enxergar um pouco mais. Era isso e os recorrentes chiliques, até que alguém se cansasse das suas chorumelas e a levasse até lá.

Há dias ela vinha ensaiando novos passos apartamento afora, preparando-se mais uma vez para o desfile em Rio Novo. Deitava e acordava com a mesma ladainha: a encomenda da fantasia – seu passaporte para a materialização do sonho de desfilar numa escola de samba.

Como ninguém consegue ficar indiferente ao espelho, Carola passava um bom tempo na frente dele, avaliando o poder da própria imagem. Caras, bocas, sacolejos e braços em movimento pontuavam aquele seu estilo próprio e esfuziante de ser. Ainda em dúvida, enviesava o corpo sinuoso de um lado para o outro, avaliando a silhueta enxuta.

O piso arranhado do banheiro denunciava o tempo gasto no delirante sapateado. Azar pra lá, dizia a si mesma. O que importava é que ela estava definitivamente satisfeita com seu charme encantador e seu grande potencial para passista. Agora era só esperar pelo grande dia, aproveitando daqui e dali alguma rebarba momesca. E haja expectativa e noites mal dormidas!

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Divina conduta


A igreja ficava logo ali. Praticamente ao lado dela, morava o padre Landinho, bem instalado em sua casa paroquial. Fiquei intrigada quando percebi que o muro de sua residência, outrora baixinho e vulnerável, havia crescido horizontalmente tão rápido quanto fora levantado. Conclui que nem os pastores de Cristo estão livres dos meliantes, cuja ousadia subverte até a certeza de uma proteção especial. O temor a Deus operava milagres!


Padre Landinho deve ter chegado à triste constatação de que, no fundo, era igual a você ou a mim: um pobre mortal, morrendo de medo de assaltos ou, quem sabe, desejoso de se ver livre das carpideiras de plantão que resolvessem aparecer, justo na hora de sua sesta. Num átimo, caí na real. O tal muro lhe garantiria, isso sim, a certeza da invisibilidade e ouvidos moucos para o toque da campainha.


O padre era reverenciado pela comunidade beata, que o achava simplesmente o máximo. Um santo homem, diziam as mais fervorosas. Em sua aparente simplicidade, ocultava discreta tendência à arrogância: um modo peculiar de ser. Minha filha fazia parte do rol das encantadas por ele. Fiel ovelha de Cristo, ela deve ter intuído que quantidade era sinal de qualidade. Colocou mãos à obra: participava ativamente dos programas da comunidade freqüentando asilos, grupo de jovens, recolhendo o dízimo e emprestando sua voz ao coral infantil. Não se sentia nem um pouco envergonhada pelo fato de ser a mais velha entre eles. Seu lema era “ser útil”.


Não sei dizer sobre os horários das missas. Carola tinha uma vida muito cheia durante a semana. Eu levava o cronograma de suas terapias com o máximo rigor, rezando para que o fim de semana chegasse rapidamente. O sábado e o domingo eram meu atalho perfeito para o descanso tão desejado. Para ela, significavam uma pausa na pesada rotina; a alegria de uma liberdade vigiada. A igreja acabou se tornando o veículo mais apropriado para estimular sua ainda limitada independência. Apesar de toda a insegurança que cercava aquela ação de ir e vir, concluímos que o risco calculado seria sempre alguma coisa a mais para lidar. A vida exigiria dela atitudes e mobilização ao longo do tempo.


Ficamos atônitos e tremendamente decepcionados quando a Carola, aos prantos, nos chegou com a informação de que Padre Landinho havia lhe dado um ultimato: se quisesse mesmo freqüentar a missa, que fizesse uma escolha. A do sábado ou a de domingo - jamais as duas. Conheço bem a filha que tenho. Ela poderia estar perturbando o andamento do ritual, distraindo os fiéis ou, quem sabe, monopolizando sua atenção.


Tinha me decidido pelo caminho da menor resistência – resolvi ser magnânima com ele, mas achei que valia a pena gastar algum tempo numa ponderação minuciosa sobre aquele episódio:


- Teria sido aquela decisão um dever atribuído à sua condição de sacerdote?


- Para onde foram relegados os direitos do cidadão e, mais especificamente, dos fiéis que participavam da comunidade de forma tão ativa?


- Qual seria o conteúdo de uma desculpa que explicasse tamanha arbitrariedade?


- Como utilizar-se da prática do serviço religioso no desenvolvimento da complacência, em lugar da intolerância e da indiferença?


Talvez fosse interessante lembrar-se de que o ato caridoso faz sempre uma interface com os sentimentos positivos. De quebra, teria a oportunidade de se questionar sobre os aspectos importantes de sua missão: serviço, caridade e amor.


Fiquei pensando se Padre Landinho estaria certo de sua escolha pelo sacerdócio quando, de repente, me veio a imagem do muro que ele mandara levantar.


Assustado com a repercussão dos fatos, Deus que tudo vê, seria pródigo e veloz ao enviar seu mensageiro. A ele caberia a responsabilidade de explicar ao pobre sacerdote sobre o difícil, porém necessário expediente de se construir pontes, e de como elas costumam diminuir as distâncias.


Relaxei logo depois, concluindo que, afinal, padre Landinho já devia ter chegado à triste constatação de que, no fundo, ele era igual a você ou a mim: um pobre mortal!

sábado, 6 de outubro de 2007

Enfim, para a minha surpresa (3/3)

Não fui capaz de perceber qualquer tipo de dúvida, medo ou negativa de sua parte. Parecia que só eu temia, que só eu achava que algo estava prestes a acontecer. Despedimo-nos com um beijo.

Voltei para casa tensa e exausta. Chorei até a hora de buscá-la na escola. Insisti num pouquinho a mais de corretivo, blush e batom. O rosto deveria estar perfeito e as faces, levemente ruborizadas. Assim, eu ficaria com um ar de saúde e satisfação – que estava longe de sentir.

O sol começava a sumir quando estacionei, esperando pacientemente pelo final das aulas. Imaginava a frustração estampada em seu rosto e temi que ela não quisesse voltar no dia seguinte. Reconsiderei, quando me dei conta do sorriso que iluminava seu rostinho e do caminhar firme em minha direção.

- Oi, filha! Tudo bem com você?

- Tudo, mãe.

Arrisquei, com certo desconforto:

- O que você achou da escola? Estava aqui olhando os seus colegas e fiquei impressionada. Como eles são comprometidos!

E ela:

- É. São mesmo. Mas eles também são umas gracinhas, mãe. Me adoraram. Conversaram bastante comigo e são muito carinhosos.

- Engraçado. Achei-os muito piores do que você. Todos eles conseguem conversar?

- Claro que não, mãe! Tem uma menina que nem fala nada, coitadinha. Ela puxa os cabelos e grita, mas não sai do lugar. Só melhora quando alguém a acalma e solta suas mãos do cabelo.

Eu continuava escutando:

- Também tem um rapazinho lindo, que passa o tempo todo de pé. A carinha dele é fofa e ele está sempre sorridente. E os três downzinhos, então? Ficaram grudados em mim o tempo todo.

- É mesmo?

- É! E tem a Mariana, que não escuta nada, então ninguém fica com ela, tadinha. Sentei do seu lado e fiquei segurando sua mão. Ela adorou. Aí, as professoras colocaram uma música pra gente e eu resolvi tirar os meninos pra dançar. Eles acharam o máximo e querem mais amanhã. Vou levar meus CD’s.

Senti um leve arrepio no cocuruto, e disse:

- Ô, filha, eu estou tão preocupada... Será mesmo que essa escola vai ser boa pra você?

- Claro que vai, mãe. Eu não sei por que você está tão preocupada. Eu estou adorando! Afinal de contas, mãe, eu estou no meu ambiente. Pensa bem nisso.

Naquela noite, eu dormi agradecendo a Deus, que se apiedara de mim com a mensagem que eu aguardava com tanta urgência.

Amém!

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

...e continua a paranóia! (2/3)

Diante de mim, rapazes e moças exibiam sem pudor suas dificuldades e, em maior ou menor grau, a sua dependência de terceiros. Mesmo assim, os que podiam misturavam-se aos outros alegremente, trocando brincadeiras inofensivas. Instintivamente, comecei a compará-los com a Carola. Tive a certeza de que ela estava em melhores condições do que qualquer um deles.

Fiquei me perguntando se aquele era, realmente, o lugar onde eu gostaria de deixá-la. A impressão era a de que todo o meu esforço, perseguindo metas e puxando Ana Carolina para cima, poderia ser seriamente comprometido caso eu a matriculasse ali. A dúvida chegou para me atormentar. De alguma forma, remetia a uma sensação de retrocesso.

Agradecemos, Iêda e eu, e já saímos de lá discutindo sobre a responsabilidade da escolha que eu teria que fazer. A incerteza foi-se dissipando lentamente, à medida que minha amiga me convencia de que Carola se adaptaria e seria feliz. Além do mais, não existiam, nessa época, muitas outras escolas similares: era pegar ou largar. Finalmente, meu marido e eu resolvemos acertar sua matrícula numa sexta-feira.

Passei o fim de semana chorando e já sentindo uma culpa enorme pelo possível fracasso. Tive muito medo da repercussão de uma aposta malfeita e dos estragos que aquela convivência pudesse acarretar. A pressão exercida pelos médicos ao longo dos anos voltava a me perturbar. Eu seria sempre a única responsável pelo sucesso ou fracasso no desenvolvimento da minha filha.

Preguiça, apatia ou depressão, mesmo que motivados pelo cansaço, estavam fora de cogitação. Não havia chance para um erro sequer. Escolhas estavam incluídas no cardápio, mas eu teria que me valer da intuição para identificar aquelas que a beneficiariam.

Carola estava animadíssima e com uma prontidão nota dez, contando nos dedos os dias que faltavam para o início das aulas. Na segunda-feira seguinte, acordei determinada a exorcizar todos os meus demônios e a lançar ao fogo do inferno a opinião alheia. Preparei-me desde cedo para aquela tarde especial, lançando mão de uma camada mais grossa de pancake que encobrisse minhas olheiras. O sorriso, que me emprestava um quê de falsidade, foi companheiro, enquanto, aboletadas no assento do carro, víamos entrar, um a um na escola, seus futuros colegas.

A despeito da excitação dela, fiz questão de apontar, em cada figura, onde se encontrava o defeito, o aleijão, a limitação. Descrevi com riqueza de detalhes o comportamento provável e o tipo de manifestação, por vezes chocante, demonstrada por alguém com sérias lesões neurológicas. Ela me escutava, embora seus olhinhos continuassem grudados naquela movimentação.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O início da síndrome do engano (1/3)

Não! Definitivamente não dava mais para encarar um horário livre todas as tardes, sem alguma ocupação. Além do mais, ficar solta na rua, andando de lá pra cá feito alma penada, era correr risco demais.

Carola cumpria à risca o currículo escolar, freqüentando assiduamente uma escola especial na parte da manhã. Mesmo assim, eu ainda achava que o horário vespertino estava desperdiçado. Ela precisava de mais estímulos, principalmente aqueles que lhe dessem a contrapartida do prazer.

Resolvida, busquei socorro com a especialista Iêda Fadul que, por essas obras do destino, acabou se tornando uma grande amiga. Assistente social, socióloga, professora dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, entre outras atividades pertinentes, era reconhecida pelo trabalho magnífico que executava na identificação das potencialidades do deficiente.

Após uma bateria de exames que ajudaram na elaboração de um diagnóstico, foi-me indicada por ela uma oficina de artes. Era voltada para crianças com necessidades especiais como a minha e tinha o propósito de ensinar trabalhos manuais e de socializá-las em atividades lúdicas. Pinturas em telas, bordados em tapetes, ponto de cruz, jateados de vidros para compotas e garrafas d’água, além de uma série de outras técnicas, preencheriam o tempo de forma produtiva e alegre.

A idéia inicial me agradava demais. Eu só não conseguia enxergar como alguém com grandes dificuldades na área motora “fina” seria capaz de executar qualquer coisa minimamente razoável.

A visita à Oficina Germinarte foi marcada e sugeri a Iêda que me acompanhasse naquele périplo, já que, num primeiro momento, me vinha uma sensação muito ambígua. Alguma coisa que transitava entre uma ótima solução e uma grande aflição, mas que eu buscava ansiosamente.

Foi então que, feitas as apresentações de praxe, fiquei conhecendo pessoas interessantes e um novo espaço, que parecia me espreitar a cada porta aberta, a cada corredor transposto, a cada novo olhar que eu trocava. Instalações simples, limpas, recheadas de profissionais atenciosos e humanos. E alunos, por volta de uns quinze.

A diversidade do ser humano, especialmente nas suas fragilidades, me assustou.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Birutagem

Fico de cá, pensando nas injustiças da vida. Não exatamente naquelas que nos flagelam, mas nas que participamos tendo que ficar apenas como espectadores.

Dia desses, me chega a Carola, indignada, contando:

- Mãe, cê não imagina o que me aconteceu agora. Sabe a D.Gislaine, aquela que mora na casa velha e tem um salão de cabeleireiro? Pois é. Eu dei bom dia pra ela por três vêzes e nada. Na primeira, achei que ela não tinha me visto. Na segunda pensei que ela não tinha me escutado. Depois da terceira, ela botou as mãos na cabeça e disse:

- Puta merda, o diabo chegou!!! Cê não faz nada aqui. Nem unha, nem cabelo! Sai fora!

- E eu saí. Logo eu, que vivo comprando jaboticaba dela! Depois me disseram que ela é meio tan-tan, coitada. A gente tem que desculpar, né? Afinal de contas ela é biruta...

Tem gente que escolhe o caminho mais difícil para conquistar lugar de direito na vida, tipo essa tal de D. Gislaine. Não quero concessões, apenas respeito. Fico de cá, olhos atentos, percepção aguçada e quase zero de proteção. Receita de mãe que também vem aprendendo a cada dia que o contraponto do seu controle é o burilamento da auto-estima do filho.

Cabe aqui uma nota:

" Preconceito: doença que turva nosso olhar e entorta nossa alma; que nos diminui e nos emburrece."

Xô!!!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

18 de Setembro de 2007

E lá estava eu na cozinha às 7.00 da manhã, invariavelmente com o umbigo no fogão e fazendo café pra turma que não demorava a acordar. A manhã me espreitava da janela com uma cara meio desanimada e um tanto bocejante. Ela também já sabia o que viria pela frente; a gente combinava até nisso. Chegamos a bater uma aposta que não deu muito certo porque tínhamos a mesma certeza. Materializada em forma de Carola, aparece minha filha com um sorriso nos lábios dizendo que só faltavam dez dias pro seu aniversário. Essa rotina se estendeu até quando foi possível encher as duas mãos com dedos que entravam em contagem regressiva e iam se escondendo um a um. Foi quando eu, do alto dos meus 57 anos e com uma certeza incorruptível, resolvi perguntar pra ela o porque de tanto entusiasmo. Pela minha ótica, um aniversário é apenas uma oportunidade para se ficar um ano mais velho, correr atrás de mais uma ou duas rugas na testa e um ligeiro plissado nos cantos da boca. Isso sem falar na indignidade da dependência, dos fraldões e coisas afins. Com a naturalidade de uma criança pequena, ela me olhou bem nos olhos e disparou:

- Pois eu adoro meu aniversário. Já parou pra pensar que há 31 anos nascia uma princesinha que ia ser assim, feliz, com saúde e trazendo alegria pra tanta gente? Vamos comemorar, uai!

Parabéns, filha. Sem perceber, você transforma seus momentos em oportunidades, se entusiasma e extrai o máximo das pequenas coisas deixando pra trás emoções mornas e vazias.

A partir desse dia, a manhã pediu desculpas pelo bocejo e eu deixei de fazer perguntas idiotas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Bom demais receber visitas !!! O problema é que a ficha só foi cair algumas horas antes de me deitar, crente que havia dado o passo certeiro para a realização de um velho sonho. O sono dos justos resolveu me abandonar tirando de mim esse direito sagrado e inventou de plantar a semente da dúvida com ponderações fora de hora. Tá certo, eu sei, mas também não vou me penitenciar só porque resolvi assumir a responsabilidade de criar um blog pra mim. Já tava mais que na hora de eu me inserir nesse mundo contemporâneo e esquecer que a idade insiste em me fazer obsoleta. Tenho pra mim é que fui muito corajosa e agora, adeus viola. O que tá feito não tá por fazer. Passei rapidinho do armário para a prateleira dessa grande vitrine virtual no momento em que decidi dividir minha vida com pessoas que eu nunca vi. Elas com certeza serão juizes, quem sabe algozes, ou ainda e com alguma sorte, minha redenção. Em qual time voce joga? Bjs.

domingo, 16 de setembro de 2007

Minha Primeira Postagem

Sempre gostei de escrever. Pensava, há algum tempo, em escrever um livro - cheguei até a esboçar suas primeiras linhas. Mas os caminhos da vida me fizeram entender por que a maioria dos escritores se isolam. Eles precisam, essencialmente, de tempo disponível, sem interrupções, pra que ninguém lhes corte a linha de raciocínio. Ainda não arrumei este tempo pra mim.

Ser "para sempre mãe", "para quase sempre esposa" e "eterna dona de casa" (não necessariamente nesta ordem) me obriga a executar outras atividades em tiros curtos. Espero que dividam comigo minhas expectativas, meus questionamentos e minhas eventuais loucuras.

Sejam bem-vindos.