segunda-feira, 10 de março de 2008

Reinventando a Natureza

No dia 18 de setembro de 1976, recebi a tão esperada encomenda. Em meio à confusão do embrulho, havia um envelope, acompanhado de um documento em que se lia: "Este projeto demandará mais tempo que o normal para ser desenvolvido. Deverá ser exaustivamente calculado e pressupõe detalhamento milimétrico para seu bom funcionamento e valorização do conjunto da obra. O material é nobre, embora reclame orientação especializada e assessoria permanente". Achei curioso ter chegado sem a indicação do prazo de validade, num esboço que, à primeira vista, pareceu-me incompleto.
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Um mês após a entrega do material, foi iniciado o "Programa Reconstrução" – operação que visava à implantação de uma nova consciência. Seria necessária a criação de um Código de Posturas, caracterizado pela interdisciplinaridade e baseado em cinco eixos fundamentais: obras de melhoria estrutural, recursos especializados, revitalização das engrenagens defeituosas, valorização da diversidade e inclusão social.
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A previsão era de que os serviços fossem concluídos em módulos, levando-se em conta a instabilidade do tempo, a disposição da mão de obra e a utilização correta dos recursos. Cabia, também, ser realista a respeito da quantidade de energia, tempo e dinheiro que se estava disposto a investir. Além disso, que não fosse esquecido e a bem dos resultados, que a aprendizagem seria lenta, já que alguns funcionários eram iniciantes no assunto.
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De cara, fiquei frustrada com a entrega do material e com o que me foi apresentado. Decidi que já passava da hora de conversar com o representante. Afinal, eu precisava saber o porquê de tão grande vacilo. Não consegui uma resposta que me convencesse. Não adiantou nada reclamar. Ele me informou que, de vez em quando, saía alguma coisa de fábrica com pequenos defeitos e que eu não me esquecesse de que tudo havia sido esclarecido desde o nosso primeiro encontro. Que eu me lembrasse de que havíamos feito um pacto, onde não caberia uma rescisão e, muito menos, uma devolução. Aquele era um contrato de risco, aceito e acordado por ambas as partes.
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Levei algum tempo no processo de reconhecimento de cada peça; gastei outro tanto correndo atrás de soluções que, se não efetivas, minimizariam os desajustes provocados pelo ineficiente controle de qualidade. Irritei-me algumas dezenas de vezes na busca de um entendimento daquelas instruções enigmáticas. Solicitei a colaboração de pessoas que eu não conhecia, mas que, graças a Deus, souberam me orientar. Trabalhamos juntos tentando desvendar os mistérios do manuscrito. Aplicamos medidas certeiras, alcançando sucesso em algumas empreitadas. Outras não deram certo e foi preciso recomeçar o raciocínio.
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Hoje, depois de muito tempo, inaugurou-se uma fase mais tranqüila. Daqui pra frente espero ter que cuidar apenas da manutenção. A máquina vem funcionando direitinho. De vez em quando aparece um ou outro problema. Por sorte, e com alguma paciência, descobri que dá pra ajeitar. Dou-lhe uma boa azeitada e assim ela vai indo. Só é preciso ficar alerta ao menor sinal de perigo. As engrenagens teimam em querer pifar.
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Já fiz as pazes com o tal representante. Juntei os pedaços espalhados, liquidei faturas, avaliei débitos e venho acertando as contas para recompor a unidade perdida entre o que ele me impôs e o que eu própria escolhi. Passei a acreditar em coincidências felizes e acasos salvadores, apesar de todo o meu empenho. Pelo menos, parece que os indicadores apontam para esse lado. Carola já está em fase final de acabamento.
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“Problemas não devem ser ignorados. Há sempre o momento de parar para pensar, ou pensar menos e viver mais. Rever nossas estruturas, internas e externas: o que posso resolver? O que devo esquecer ou superar para que não me sufoque ou me roube a luz de que preciso para enxergar outras coisas, coisas melhores?” (Lya Luft)

2 comentários:

Unknown disse...

eliana querida:

que algum dia eu chegue neste estágio do projeto, tao lindo!!

bjos para vc e sua família linda

Graziela disse...

Eliana, parabens pelo texto.
Estou sem palavras, vc escreve maravilhosamente bem... sua forma de se expressar me deixa de queixo caido.
Com certeza com amor nos conseguimos tudo...
Um abraco forte para vc
Gra