terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ponto Cego (3/3)

A semana passou aos trancos e barrancos, regada a muito desconforto, dores e choro. Eu estava mais pra alma penada do que pra gente. Estava exausta, com o emocional em frangalhos, e descobri como é duro exercitar a disciplina contra a imposição de um modelo perverso. Seguindo orientações, passamos, ao final deste tempo, pelo consultório do Doutor Irineu. Quase ressuscitei ao ouvir suas palavras animadoras e carregadas de genuína emoção.

Vi-me novamente naquele lugar tão conhecido, praticamente íntimo. O lugar onde eu me encontrava quase sempre, tentando entender o limiar entre consentimento e negação, depois de dias de sufoco. Até onde, ou quando, seria possível evitar mais uma tragédia? Lembro-me de alguém dizendo que “viver as experiências que a vida nos oferece é obrigatório; sofrer com elas ou desfrutá-las é opcional”. De que experiências a criatura estaria falando? Será que existe alguém no mundo capaz de vivenciar a dor de um filho e se manter emocionalmente inviolável? Até que pode ser, mas duvido que quem enunciou esta frase imagine a complexa tarefa que é manter os filhos vivos, saudáveis e felizes.

Com a volta às aulas, aproveitei para tentar fazer minhas descobertas. Com as crianças estudando, eu teria algum tempo e a paciência resignada para conseguir uma resposta que apaziguasse minha alma. Não era possível passar por tudo aquilo sem um esclarecimento minimamente decente. Coloquei a bicicleta de rodas pro ar e comecei o escrutínio criterioso de cada peça. Estava de olho nos detalhes importantes, como o calibre dos pneus e os artefatos pontiagudos. Busquei algum ferro retorcido e fora de lugar, dando seqüência ao meu projeto de desagravo. Verifiquei a ponta do selim, mas não achei nada suspeito. Era arredondado e um pouco largo. E o freio da bicicleta? Talvez a resposta estivesse ali. Apertei-o várias vezes até me certificar de que ele não estava deslocado pra lado algum. Descartei mais esta possibilidade e me lembrei de que o guidão, com a sua ponta de borracha e colado ao freio, não seria capaz de causar um dano tão incisivo. Enfim, toda a pesquisa redundou em nada. Por razões misteriosas, eu estava de volta à sensação de que segredos existenciais, não revelados, andavam pelas cercanias.

Um medo assustador me envolveu quando fui agradecer à Gabi e aos serviços nota dez prestados pelo eletricista. Ela, me olhando como se eu estivesse noutro mundo, entre a sanidade e a loucura, explicou que nem conhecia tal figura. O ineditismo da informação deu vazão à sensação da existência de segredos atrás das portas. Fiquei mais grilada ainda quando soube da origem do nome Alastor: "demônio cruel". Tudo precisava ser visto com desconfiança, afinal, a imaginação é a mãe dos sonhos, mas também dos pesadelos.

Este tema foi um ponto cego em minha vida durante muitos anos. Não foi possível passar pela experiência sem fazer considerações de natureza filosófica, existencialista e religiosa. Afinal, ela fugia dos padrões a que estamos acostumados. Foi um caso plantado, desses que desafiam todas as teorias da interpretação e acabam levantando suspeita contra tudo e contra todos. Seria preciso discutir métodos, ponderar limites e ampliar fronteiras. Será que eu ainda estava disposta? Diante de tudo aquilo, cheguei à conclusão de que não valia a pena. Há uma defasagem entre o conhecimento, o entendimento e o comportamento. Decidi deixar tudo como estava: sem resposta. Até porque, existem na vida certos obstáculos intransponíveis. E este era mais um deles.


"A fé é uma conquista difícil, que exige combates diários para ser mantida." (Paulo Coelho)

Um comentário:

Graziela disse...

Oi Eliana saudades!
Espero que esteja tudo bem com voces e que voce volte a escrever logo.
Quando puder passa la no blog, tem um selinho para voce.
Um abraco nosso
Gra