segunda-feira, 1 de outubro de 2007

...e continua a paranóia! (2/3)

Diante de mim, rapazes e moças exibiam sem pudor suas dificuldades e, em maior ou menor grau, a sua dependência de terceiros. Mesmo assim, os que podiam misturavam-se aos outros alegremente, trocando brincadeiras inofensivas. Instintivamente, comecei a compará-los com a Carola. Tive a certeza de que ela estava em melhores condições do que qualquer um deles.

Fiquei me perguntando se aquele era, realmente, o lugar onde eu gostaria de deixá-la. A impressão era a de que todo o meu esforço, perseguindo metas e puxando Ana Carolina para cima, poderia ser seriamente comprometido caso eu a matriculasse ali. A dúvida chegou para me atormentar. De alguma forma, remetia a uma sensação de retrocesso.

Agradecemos, Iêda e eu, e já saímos de lá discutindo sobre a responsabilidade da escolha que eu teria que fazer. A incerteza foi-se dissipando lentamente, à medida que minha amiga me convencia de que Carola se adaptaria e seria feliz. Além do mais, não existiam, nessa época, muitas outras escolas similares: era pegar ou largar. Finalmente, meu marido e eu resolvemos acertar sua matrícula numa sexta-feira.

Passei o fim de semana chorando e já sentindo uma culpa enorme pelo possível fracasso. Tive muito medo da repercussão de uma aposta malfeita e dos estragos que aquela convivência pudesse acarretar. A pressão exercida pelos médicos ao longo dos anos voltava a me perturbar. Eu seria sempre a única responsável pelo sucesso ou fracasso no desenvolvimento da minha filha.

Preguiça, apatia ou depressão, mesmo que motivados pelo cansaço, estavam fora de cogitação. Não havia chance para um erro sequer. Escolhas estavam incluídas no cardápio, mas eu teria que me valer da intuição para identificar aquelas que a beneficiariam.

Carola estava animadíssima e com uma prontidão nota dez, contando nos dedos os dias que faltavam para o início das aulas. Na segunda-feira seguinte, acordei determinada a exorcizar todos os meus demônios e a lançar ao fogo do inferno a opinião alheia. Preparei-me desde cedo para aquela tarde especial, lançando mão de uma camada mais grossa de pancake que encobrisse minhas olheiras. O sorriso, que me emprestava um quê de falsidade, foi companheiro, enquanto, aboletadas no assento do carro, víamos entrar, um a um na escola, seus futuros colegas.

A despeito da excitação dela, fiz questão de apontar, em cada figura, onde se encontrava o defeito, o aleijão, a limitação. Descrevi com riqueza de detalhes o comportamento provável e o tipo de manifestação, por vezes chocante, demonstrada por alguém com sérias lesões neurológicas. Ela me escutava, embora seus olhinhos continuassem grudados naquela movimentação.

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi Eliana
Vi a indicacao do seu blog lá no site Desabafo de mae e estou impressionada! Você escreve muito bem, parabéns e continue postando!
Também tenho um blog, se tiver um tempinho ficaria muito feliz com sua visita.
Um abracao,
Gi

Simone disse...

Olá Eliana! faço parte da equipe do blog do desaabfo de mãe, o Augusto, sei leitor nos indicou seu Blog e claro vim visitar vc! e convidála para conhecer nosso espaço.Sou a "mãe da diversidade" do blog, procuro escrever sobre o diferente, as diferenças,os preconceitos e vitórias de nossos filhos. Sua filha é apenas dois anos mais nova do que eu, por isso lhe adimiro muito, meu filho tem 5 anos e é autista, não imagino como seria lidar com as necessidades
dele há 30 anos atrás!
além do desabafo, escrevo em mais 2 blogs, convido vc para que venha conhecer "meu anjinho" gabriel e falar "de tudo um pouco" comigo!
vou adicioná-la a minha lista de blogs! beijos

Grilinha disse...

Vim através do contacto do desabafo de mãe. Parabéns pela sua forma de escrever. Sou mãe de um menino PC e adorei passar aqui...
Muitas felicidades. Voltarei. Bj

Unknown disse...

eliana, vc escreve muito bem, parabéns! Foi um prazer lhe conhecê-la com esta história que envolve uma decisão tão complicada. Seu blog foi indicado lá no blog do Desabafo de Mãe - que reúne uma turma de mães que escrevem e trocam experiências sobre sua vida. quando quiser desabafar, será um prazer publicar seu texto. nosso site está fora do ar neste mês, mas ainda recebemos desabafos... A simone, mãe do Gabi, vem trocando email com outras mães para falar sobre diversidade. Se tiver interesse, nos mande email para participar: redacao@desabafodemae.com.br Parabéns! e até a próxima!