segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Desconfiança (3/4)

Chegara o grande dia. Rio Novo, àquela altura, já estava empapuçada. Vinha sempre muita gente do Rio, São Paulo, Juiz de Fora e adjacências. O “Colar de Pérolas” e “O Nosso é Outro” – clubes tradicionais da cidade – tinham espalhado faixas anunciando seus sensacionais gritos vespertinos de carnaval. Um carro de som, caindo aos pedaços, dava infinitas voltas pela praça, tocando as músicas das duas escolas num barulho ensurdecedor.

A bebedeira era geral e não sem motivo: fazia um calor atípico. O sol incomodava muito e um estranho abafamento tomava a cidade. Pra refrescar um pouquinho, passamos a manhã entre banhos na cachoeira do Calixto e papos furados na casa dos amigos. Foi quando, distraída, resolvi consultar o relógio. Pulei e, de um salto, recolhi minha filha. Passava da hora de começar sua transformação.

Entre salsichas vienenses putrefatas, bolinhos de origem duvidosa e o cheiro nauseabundo dos inacreditáveis sanduíches do Panchito, adentrava a avenida a “Mocidade Dependente do Rio Novo”, com toda a pompa e circunstância. Em permanente destaque, a travestida figura de Alaím Delon, desfilando sua belezura emplumada. Lá de cima do carro e aos solavancos, girava os quadris em corcovas lascivas, lançando beijos pra multidão ensandecida. Uma orgia de brilhos e paetês acompanhava a escola, certa de mais uma grande vitória.

Na concentração da outra escola, os “Unidos do Barrabás”, eu e Carola já aguardávamos a ordem de entrada. De repente, senti um vento frio pelas costas e tive que consertar o cabelo dela, que insistia em sair do lugar. Só para provocar, São Pedro resolveu fazer das suas e desconsiderou o nosso acordo, feito há alguns dias. O céu foi ficando cada vez mais cinzento e os primeiros pingos começaram a dar o ar da graça. Não era possível tanto azar!

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